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Posted by : Lihn Soares junho 29, 2013

Em Maio de 2013, a atriz Angelina Jolie chocou parte do mundo ao assumir a retirada de ambas as mamas com receio de, futuramente, poder desenvolver um tumor maligno. Sei que estou bastante atrasada sobre o assunto, mas essa revelação, na época, foi alvo de muita atenção na mídia. Algumas fontes, como a famigerada revista Veja publicou uma matéria destacando o quanto a atriz esteve no ápice da coragem, enquanto outras publicações exibiam duras críticas à mulher de 37 anos.

Primeiramente, gostaria de ressaltar que este trata-se de um artigo de opinião e não um julgamento moral contra qualquer pessoa (afinal, quem de nós tem o direito de fazer tal coisa?). Ademais, também é de grande importância escrever que esta opinião baseia-se não especificamente no caso da Angelina Jolie, mas sim demonstra meu pensamento geral sobre este assunto. Deve-se lembrar sempre que cada pessoa é única, tanto no quesito emocional, quanto histórico e pessoal. Eu não sou e não conheço Angelina Jolie, nem seus sentimentos e personalidade, não tive uma mãe que lutou quase dez anos contra o câncer de mama e faleceu, precocemente, aos 56 anos de idade. Portanto, não cabe a mim (e nem a qualquer pessoa) avaliar a legitimidade de suas escolhas.

Vivemos em um mundo hoje caracterizado pelos avanços tecnológicos, principalmente na área da medicina que inclui a genética. Atualmente, é possível fazer um mapeamento genético de um casal e contabilizar quais as chances de quais as doenças seu descendente pode ter, antes mesmo de sequer haver fecundação. Vivemos em um tempo no qual a medicina genética e molecular encontra-se no seu ápice. Talvez, futuramente, seja possível, inclusive, a escolha de características genéticas de um filho (o que ainda soa absurdamente ilusório pela lentidão das pesquisas nesse campo devido a fatores éticos e morais). 

É exatamente por vivermos nesse contexto que devemos tomar muito cuidado com a maneira que pensamos, refletimos e fazemos nossas filosofias pessoais acerca da nossa existência. Cada pessoa tem um pensamento diferente sobre a vida. Alguns acreditam que ela nos foi dada por uma divindade superior, outros podem dizer que estamos vivos por mera coincidência do choque de partículas durante uma grande explosão que ocorreu há bilhões de anos no Universo. Há aqueles ainda que creem que tudo não passa de um maravilhoso milagre. 

Independente disso, uma das características da existência humana é o fator surpresa. As pessoas podem fazer planos e imaginar suas vidas num futuro que existe apenas em suas cabeças, mas jamais podem ter plena certeza do amanhã. Eu, pessoalmente, acredito que o "não saber" é o que torna a vida tão interessante. A tecnologia que nos permite prever doenças pode ser saudável até o ponto em que eu sei que uma dieta balanceada é fundamental para evitar patologias como diabetes, hipertensão e dislipidemias. Mas até que ponto ela nos permite prever o futuro? Qual é o limite entre prevenção e previsão? É isso o que me preocupa. Talvez isso seja resultado de um desejo inerente ao ser humano de obter controle sobre as coisas à sua volta. Quem sabe seja até algum tipo de instinto? 

Queremos saber exatamente qual será o clima de amanhã. Imagine que desastre seria ser pego por uma tempestade sem um guarda-chuva? E aí entra de novo a discussão sobre os limites. Qual será o limite entre prever o tempo e profetizar uma moléstia que, talvez, nunca ocorra? Já que falamos sobre instintos humanos, dentre eles também existe o medo irrefutável da doença. As indústrias da saúde (entre elas, a farmacêutica, a dos planos de saúde, etc) são uma das mais lucrativas no mundo, ratificando mais uma vez a preocupação humana sobre esse assunto. 

A grande questão é que não podemos, não ainda, prever doenças e nem a morte. Isso nos causa um intenso temor, que reflete inclusive não só nos gastos anuais da população em saúde como também na aplicação crescente de capital em tecnologias moleculares e genéticas. Temos que tomar um grande cuidado com esse medo inerente ao ser humano. Até que ponto dizer que 87% de chances de ter um tumor maligno é diagnóstico de que ele existirá em algum momento? E, sem querer me conter à questão das mamas pois este não é um texto discutindo qualquer ideologia feminista, se futuramente começarmos a descobrir que temos X% de chances de desenvolvermos câncer nos rins, no fígado, no pulmão? Iremos começar a amputar partes do corpo com receio de um perigo que ainda não atravessou a barreira da realidade? 

Quem é da área da saúde sabe que devemos tomar muito cuidado com o que dizemos ao paciente porque qualquer informação dita de maneira equivocada pode mudar a história natural da doença na qual ele se encontra. Por exemplo, se você diz ao paciente que ele tem um sopro cardíaco, ele provavelmente vai utilizar a tecnologia atual para consultar ao Dr. Google e vai chegar à conclusão que está perto da morte, quando o sopro pode ser fisiológico, ou seja, não representa doença alguma. Meu professor, uma vez, contou um caso de um homem que fez um teste preditivo que constatou que ele tinha grandes chances de ter câncer no intestino. A partir daí, o paciente começou a ter diarréias frequentes apenas frutos da ideia de que, algum dia, ele poderia ter um câncer. Consultou diversos médicos, inclusive em São Paulo, e fez dezenas de exames que concluíram que, atualmente, ele não tinha qualquer problema intestinal. Todavia a pessoa vive com medo, medo daquele bicho-papão dentro do armário, o qual ela não sabe nem quando, e nem se, ele vai mesmo aparecer. E qualquer nova diarréia, novo enjôo, novo espirro, na mente daquela pessoa representa um sinal de que o perigo está por vir. Seria essa a maneira moderna de viver? E digo mais, e se a Angelina Jolie retira as mamas e o útero com receio de falecer nas 87% de chances de desenvolver um tumor e morre amanhã num acidente de carro? E se falecer devido a uma complicação cirúrgica ou pós-cirúrgica? E se ela for vítima de um assalto no mês que vem? Todas essas hipóteses existem. Quais são as chances de realmente acontecerem? Não sabemos.

E não seria melhor assim? 



-por Lihn Soares

{ 4 comentários... read them below or Comment }

  1. Muito bem, pequena! :)

    O "não sabemos" e o fator surpresa foram muito bem colocados!

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  2. Muito bom o texto, Lihn e concordo contigo que os médicos deveriam ter mais cuidado com o que falam para seus pacientes. Tenho uma marquinha de nascença, um dia fui no dermatologista para cuidar de outras questões (Eu tenho alergia a diversas coisas) e ela disse que eu podia ter Vitiligo. Eu fiz exatamente o que você disse, antes de obter os resultados do exame, fui no google e pesquisei tudo sobre a doença. Entrei em pânico e só depois de uma semana, descobri que não tinha nada daquilo. Acho que ela poderia ter me dito para fazer o exame sem, exatamente, dizer que eu tinha a tal da doença, porque isso só me assustou e sem necessidade.

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    Respostas
    1. Com certeza!
      E se ela dissesse que você poderia ter a possibilidade de desenvolver uma doença? Daí você cortaria parte da sua pele fora tomada pelo medo? Todos somos assim, ficamos desesperados com a possibilidade de adoecermos e talvez não estejamos pensando bem sobre os nossos atos!

      Será que essa é a deixa pros outros lucrarem com medicamentos caros e cirurgias preditivas (e desnecessárias)? Será que existe profissionais que lucram colocando medo nas pessoas?

      Muitas questões para refletir!

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    2. Só sei que minha mãe escutou o meu "O quê?", lá da sala de espera!

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