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- Fatalle: O Rival - Parte 1
Nunca sei o que escrever em primeiros parágrafos de um grande texto, isso pode ser considerada uma característica muito engraçada sobre mim, levando em conta o meu trabalho. É fato que eu não deveria estar usando esse pedaço de papel amassado para liberar meu ódio a essa hora da manhã, mas, caso não o fizesse, como conseguiria ficar sem explodir?
O que quero dizer é... Bom, eu não tenho muita certeza sobre o que quero dizer nesse ápice da raiva, da frustração, da vontade de voltar para casa e pedir aquele pedaço de bolo de chocolate da minha mãe, mas não posso, sou uma mulher crescida. Ou não? Digo, como você pode saber o momento em que se deixa de ser garota e passa a ser mulher? Isso não está muito claro pra mim.
Tenho 22 anos e ainda me sinto uma garotinha. Quer um exemplo? Estou nesse exato momento desabafando em um guardanapo de péssima qualidade, aqui mesmo, na minha sala do escritório em um cantinho, onde espero que ninguém possa me ver, por horas. Caso me vejam, há uma grande chance de serem recebidos com um ou dois palavrões, mas nada muito pesado. Quero dizer, depende. Dependendo da pessoa, as palavras podem acompanhar uma sinalização não-verbal com um dos dedos, mas isso só em último caso, é claro.
Meu nome é Francine, me chamam de Fran. Não que um apelido, agora, vá amortecer alguma coisa. Você deve estar pensando o quanto sou uma pessoa chata e rabugenta, aquele tipo de pessoa que fala demais em pouco tempo e tem o pavio curto. Bom, você acertou. Na verdade, não diria a parte do "rabugenta", já que tenho plenos motivos para estar no meio desse ataque de fúria. Ah, e agora você deve estar se perguntando quais. Bom, vou listar alguns:
1- Eu sou mulher. Não que a TPM seja a minha justificativa, já que, convenhamos, essa é bastante velha. O problema é que, quando se é mulher em um local onde a predominância executiva e hierárquica é masculina, você precisa trabalhar mais duro pra ser notada. Você precisa não só argumentar, mas ainda provar que está certa antes que alguém te leve à sério. As pessoas não me levam a sério. Por algum motivo, na cabeça dos homens, mulheres que saibam combinar uma saia social com uma blusa de decote sem parecer verdadeiras vadias são pseudo-intelectuais e completamente descartáveis. Isso significa que, a menos que você faça como a Cidinha da recepção e compareça ao serviço, trajando uma blusa bege semi-transparente sem sutiã, a sua opinião é nula. Não que valha alguma coisa quando você mostra parte dos seus seios à metade dos seus colegas de trabalho, não é isso, mas pelo menos assim você consegue ser notada.
2- Sou jornalista, redatora da coluna de esportes. Se dentro de um grupo de mulheres, a parte que faz faculdade é pequena, a parte que escolhe jornalismo é minúscula, e a parte que prefere redigir tradicionais jornais de rua é ainda menor, tire o grupo de mulheres que escrevem sobre esportes. Pronto, você chegou a um conjunto unitário. Eu. Sabe o que isso significa? Que sou ainda menos levada a sério, se isso é sequer possível. Convenhamos, quando você viu algum homem admitir que uma mulher está asolutamente certa quando o assunto é esportes? Eu sei, nunca.
3- Eu sou ruiva. Não é um problema tão grande, eu gosto de ser ruiva. Se sou potencialmente ignorada quando meus cabelos brilham como chamas vivas de fogueira, seria tudo ainda pior se eu fosse careca. O problema é que um cabelo tão chamativo que termina nas costas leva os olhares masculinos a outras partes. Não que eu não goste de me sentir desejada. Qual mulher não gosta? Estou plenamente satisfeita com os meus 53,5kg e meus 162,5cm. Sim, o "meio" centímetro é de fundamental importância. E, é claro que gosto de me vestir bem, com um decote apropriado e sapatos sociais de salto agulha para frequentar o trabalho. Só que, juntados aos dois itens acima, isso faz com que, na visão dos outros, principalmente na do seu chefe, você seja apenas um pedaço de carne.
4- Eu sou a mais jovem formanda dessa empresa. Entrei na faculdade cedo, me dediquei muito aos estudos, me formei novinha e, antes disso, já fazia estágio aqui. Isso quer dizer que estou aqui há três anos. Três anos sendo "a ruiva gostosa dos esportes", digo, quem é que aguenta? Três anos sendo uma sem nome, sem opinião, sem aumento de salário. Enfim, é muito tempo lidando com desaforos. Por exemplo, e as inúmeras vezes em que eu tive uma idéia, apresentei aos meus colegas da sessão de esportes e fui respondida com uma risadinha sarcástica? Aquela do tipo "por que você não volta pra culinária?" E, depois de algum tempo, essas mesmas pessoas percebem que aquela era a melhor saída e adotam a medida como se fosse delas? E depois desses três anos em que vim pra essa cidade enorme, fazer faculdade, trabalhar nessa empresa e ficar longe de casa, finalmente abre uma vaga para redator-chefe da coluna. Sejamos francos, baseando-se em dados, eu sou a funcionária mais produtiva, com melhores qualificações de outros profissionais da área, mais tempo na empresa que qualquer outro dessa coluna e o que acontece? Eu NÃO GANHO a promoção! Cadê o valor à minha lealdade? Meus bons serviços prestados pela empresa, cadê? Não, preferiram um homem qualquer que veio até de outro estado especificamente para essa função. Um novato!
5- Ele é muito gato. Como se não bastasse tudo isso desmoronando em cima de mim agora, depois da reunião em que anunciaram que EU não fui a escolhida para a função, ainda tem isso. Além de o Thomas ser "talentoso, aclamado por grandes jornalistas, um fenômeno, uma lenda viva, o rei de todas as palavras já existentes" como bem exaltaram na reunião (ok, eu fiz alguns ajustes e exagerei algumas coisas), ele ainda é incrivelmente gostoso. Sabe por que isso é um problema? Pelo simples fato de que: COMO VOCÊ ODEIA UM HOMEM GOSTOSO? Não dá. Não dá pra odiar todos aqueles 1 metro e 80 de músculos, ombros largos, braços fortes, cabelos escuros, sedosos (e provavelmente macios) e olhos cinzentos. E aquele sorriso? "Você deve ser a Francine", ele disse antes de sorrir e apertar (razoavelmente forte) a minha mão esta manhã. A resposta que todo o meu ódio queria dar era definitivamente: "E você deve ser o idiota que vai roubar o meu emprego", mas quem disse que eu consegui fazer algo além de sorrir de volta e dizer "é". Que tipo de pessoa faz isso? Digo, que tipo de pessoa não mentalmente perturbada responde uma pergunta de um homem lindo com "é"? Bom, eu sim. E a minha meta é odiá-lo até o dia em que a minha vida estiver livre da pessoa que parece que acabou de sair de um catálogo da Calvin Klein.
Respirei mais aliviada. Eu tinha essa mania de fazer listas todas as vezes em que eu estava preocupada, irritada, com dúvidas. Realmente ajuda a liberar a tensão. O único lado ruim é que logo você fica sem espaço pra guardar tanto papel de reclamação em tudo que é lugar.
- O que você está fazendo aí? - Eu sabia que ela iria me encontrar. Minha amiga Jéssica. Somos melhores amigas desde que saí daquele fim de mundo de cidade onde eu nasci. Ela e o seu jeito descontraído são a minha fonte de diversão ali naquele lugar tão deprimente cercado de paredes em tom pastel.
- Tentando enfiar a cabeça num buraco.
- Hum... - Ela pensou um pouco e fechou a porta da minha sala atrás de si. - Se for escolher a lixeira, espera pelo menos retirarem todo o papel.
Olhei pro meu lado. Minha lixeira estava mesmo recoberta por papéis amassados, desde bolinhas de rascunho de matérias e mais listas revoltadas sobre a vida.
- Pela sua cara você não conseguiu.
- Não mesmo.
- Você é grande. Não precisa dessa droga de jornal para mostrar isso ao mundo. - Jéssica pareceu sincera e sentou-se na minha cadeira reclinável enquanto me observava ali sentada no chão, no cantinho da sala, parecendo uma criança de 5 anos emburrada.
- Você sabe que essa 'droga de jornal' é o seu empregador, certo?
- Mas eles não vão me ouvir. - Piscou rapidamente. – Então, quem escolheram pro cargo?
- Um cara do Sul. Tal de Thomas.
- Certo. Pense no lado positivo. Agora temos mais alguém para criticar no almoço. - Ela riu, divertida. - Acho que já esgotamos tudo o que podíamos falar sobre a Cidinha. Precisamos de um alvo novo.
- O que você pensa em criticar nele? O quanto ele é gostoso? O quanto ele é malhado? O quanto o cabelo dele faz ondinhas discretas ao redor do pescoço e elas balançam levemente quando ele ri?
- Conte-me mais, estou imaginando. - Fechou os olhos satisfeita. Depois de falar mal dos outros, homens era o seu segundo assunto preferido.
- Eu consigo observar os músculos do abdomen dele mesmo quando ele está de terno. Aquelas dobrinhas são discretas, mas são visíveis se prestar bastante atenção. E o bumbum dele também faz uma saliência no tecido, tão redondinho, tão firme... COMO EU ODEIO UM CARA DESSES?
Jéssica fez um movimento brusco na cadeira. Meu grito repentino a havia assustado.
- Só porque você o odeia, não significa que não tem que achá-lo gostoso. E se não vai ser alguém pra gente criticar, pode ser alguém cujos dotes possamos ficar comentando.
- Dotes?
- Não se finja de santinha. Dotes... Músculos, bumbum, p...
- Hey!
- O que foi? Isso é natural da vida! Você é a mulher de 22 anos mais recolhida que eu conheço! Sua roceira que eu amo.
- Sua safada suja. - Repliquei. - Ele não parece ser do tipo desproporcional... - Voltei ao assunto como se não quisesse nada.
- Ah, eu aposto que os tamanhos combinam... E mesmo que não combine, o importante é saber usar o que se tem.
- Ele também parece ser do tipo bom de cama. Muito fofo.
- Fofo do tipo de apresentar pra mamãe?
- Fofo do tipo de se querer amarrar na cama.